- A senhora não pode entrar assim em nossa casa – disse Marli.
- Sim, ela pode – falou a mãe de Giorje: - Ela é Fabiana, nossa filha.
A mulher foi enfática:
- Eu não tenho tempo a perder. Vim pegar meus pais. Eles vão para um asilo.
A moça ficou sem reação. Um homem de terno e gravata e uma moça vestida de branco, entraram. O homem entregou um papel à Fabiana.
- Este é um oficial de justiça. Também consegui a guarda do meu sobrinho. O Lucas vem comigo.
A moça de branco foi pegar a criança no carrinho. Marli tentou impedi-la, mas foi segurada pelo oficial de justiça.
Já na calçada, ela se jogou em pranto ao chão, enquanto eles entravam no carro. Fabiana lhe disse:
- Desocupe logo essa casa. Ela já foi vendida.
Eles partiram. Marli chorava desesperadamente. Um homem forte, com camisa sem manga, aproximou-se e estendeu a mão. Ela segurou como quem queria segurar em qualquer apoio na vida...
Minutos depois, Marli estava sentada no sofá de um desconhecido. Tremia muito. O homem lhe trouxe um copo d’água. Ela pegou e agradeceu.
- Desculpe-me, mas ainda não me apresentei. Meu nome é Celso.
- Eles tiraram meu filho...
- Eu vi. Tenho um amigo advogado. Vamos falar com ele.
- E agora, o que será da minha vida?
- Fique aqui, moro sozinho. Posso lhe abrigar por enquanto.
Marli olhou a sua volta. A casa era bem arrumada. Única coisa que imaginou é que ele realmente poderia ser alguém que tivesse amigo advogado. Estava totalmente perdida e sem norte na vida. Não tinha mais nada a perder em aceitar sua ajuda.
Mudou-se para lá, ficando no quarto dos fundos. Achou que arrumar, limpar a casa, seria uma forma de pagar de pela hospedagem.
Três dias depois, Celso a levou à casa de um homem ali mesmo na comunidade, apresentando-o com seu amigo advogado. Marli lhe explicou o acontecido. O homem lhe fez assinar uma procuração e outros papéis, dizendo que entraria com recursos para recuperar a guarda de seu filho. Aquilo encheu-lhe de esperança, tendo agora algo para se agarrar.
Celso sempre saía no período da tarde e voltava de madrugada, sem nunca lhe dizer qual realmente era o seu trabalho. A rotina de Marli se tornou noites de choros sozinha em sua cama.
Em uma dessas noites muito quentes, levantou-se só de camisola para tomar água na cozinha. Ao fechar a geladeira e se virar, tomou um pequeno susto ao ver Celso sem camisa de pé na porta olhando-a. Devagar, ele foi se aproximando em silêncio. Abraço-a carinhosamente. Ela não temeu, seu abraço parecia como uma proteção que ela precisava sentir. Ele a beijou delicadamente. Pegou-a nos braços e a levou para o quarto.
Marli continuava a só ter uma sensação de proteção. Deixou tudo acontecer, mesmo não estando envolvida sentimental e sexualmente por ele. Após tudo concluído, ali mesmo na cama, Celso declarou:
- Marli, você mexe muito comigo. Quero que seja a minha mulher.
Fragilizada, sem esperar mais nada da vida, ela não tinha o que perder. Afinal, ele era o homem que poderia lhe ajudar a recuperar a coisa mais importante de sua vida: seu filho! Sem Celso nem se quer, ela teria como pagar um advogado. Celso representava naquele momento abrigo material e sentimental para suas fragilidades.
No domingo pela manhã, Marli se arrumou para ir à rua do comércio.
- Onde você vai? – Perguntou Celso.
- Vou até o orelhão ligar aos meus pais.
- Não Marli. O advogado nos chamou para conversar agora cedo.
Ela se encheu de esperança de ter uma boa notícia. Foram até lá, ouvindo do advogado:
- Então Marli, o juiz recebeu a nossa petição e não tem prazo para se pronunciar. Pode ser que ele convoque uma audiência entre as partes.
À tarde, Celso estava assistindo ao jogo na televisão, quando Marli entrou na sala arrumada.
- Eu vou à padaria me encontrar com o pessoal da época de escola. Vem comigo.
- Linda, melhor não, eu não conheço os seus amigos. Não ficarei à vontade no meio dele. Prefiro estar só com você e curtir o momento.
Marli achou coerente e cedeu. Não pensou que talvez, alguém que realmente se importasse com ela, iria se esforçar para conhecer os seus amigos, ao invés de lhe afastar deles.
Na outra vez, Celso aceitou ir com ela. Calado, ficou observando o território. Depois em casa, pontuo para Marli todos os defeitos desses que se diziam seus amigos. Sutilmente, com o tempo, Celso foi tentando provar que só ele era quem gostava dela de verdade. Que a conhecia e a aceitava como ela era. Marli foi ficando triste ao ouvir tudo aquilo sobre seus amigos. Celso passou a dar o carinho e atenção para superar essa decepção.
Passadas duas semanas, no domingo, Celso estava dormindo. Ela aproveitou para ir até o orelhão e ligar aos seus pais. Do outro lado, o dono da venda atendeu e lhe disse:
- Oi Marli, quinze dias atrás, seus pais vieram, esperaram sua ligação. Infelizmente, não tenho uma boa notícia. Eles foram dispensados do sítio onde trabalhavam. Logo arrumaram colocação em outra cidade. O sitiante estava com muita pressa e não deu tempo deles deixarem o endereço. Sinto muito.
No meio da semana, Marli estava terminando a janta. Celso chegou do trabalho, tomou banho e veio jantar com ela. De repente, disse:
- Sabe, Marli, você é uma pessoa que já lutou muito na vida. Agora tem essa batalha de recuperar a guarda de seu filho. Quero que você descanse um pouco. Deixe de trabalhar na loja. Eu ganho o suficiente, posso cuidar muito bem de você.
- Mas a loja me faz muito bem. Eu distraio a cabeça.
- E será que tudo que faço por você, não é suficiente? Eu dou minha vida para lhe fazer feliz.
- Está certo – respondeu Marli sem jeito.
Marli foi sendo afastada de tudo e de todos, vivendo exclusivamente dentro de casa para Celso. A esperança de recuperar a guarda de seu filho misturava-se com a angústia da passagem do tempo.
As discussões passaram a ser frequentes entre eles. Em contrapartida, ela começava a ter medo quando tudo estava calmo. A vida havia arrancado tudo de Marli, e estar feliz por alguns momentos a fazia ter medo, porque sabia que não duraria muito. Os momentos de paz eram rompidos por coisas banais que sempre acabavam levando às discussões dolorosas. No final, Celso sempre a levava a crer que a discussão só aconteceu porque ela não entendeu, não respeitou, não valorizava o sentimento dele.
- Marli, você não gosta com a mesma intensidade como eu lhe gosto. É egoísta, está se afastando, está permitindo que o relacionamento esfrie…
Ela assumia a culpa envolvida sutilmente. Humilhava-se, buscando o perdão por aquilo que na realidade não fez, enquanto Celso se posicionava como ofendido e magoado. Em seguida, ele a perdoava, não sem antes discursar sobre como Marli agia mal quando fazia essas coisas e prejudicava a relação.
Certo dia, ela resolveu se posicionar, enfrentando-o. Celso, tão melodramaticamente empregado, usou palavras de gratidão:
- Marli, meu amor, você está me ajudando a ser outra pessoa melhor. Não diga essas coisas. Errei, mas eu tenho essas minhas fraquezas. Tenho muito medo de lhe perder.
Sem perceber, a moça começou a se autopenalizar inconscientemente.
Durante a semana, ela foi até a quitanda do bairro. Voltando para casa, viu um carro novo que fez seu coração disparar ao reconhecer o veículo. Instintivamente, escondeu-se atrás de um poste. Ao olhar, um homem e uma mulher estavam do lado de fora, apoiados no capô, conversando de costas para ela. Ao reconhecê-los, criou coragem, foi abaixada, devagar e se colocou atrás do carro, ouvindo um trecho:
- Eu já fiz a minha parte, Celso.
- Mas Fabiana, o falso advogado que arrumei quer mais dinheiro.
- Problema seu. Foi muito caro pagar o juiz para tirar a guarda da Marli. A criança já está até fora do país. Em nome do nosso passado eu lhe ajudei. Hoje você tem a Marli só para você. Aliás, não entendo essa sua doença desde pequeno de sempre querer tudo que era de Giorje.
Marli deixou as sacolas de compra caírem ao chão. Saiu correndo para casa. Entrou, pensou um pouco desnorteada. Foi ao quarto, pegou uma sacola, jogou dentro algumas de suas roupas de qualquer jeito.
Saiu de casa sem ao menos fechar a porta. Chegou ao ponto de ônibus, deu sinal para a primeira condução que apontou na rua. Embarcou e partiu...