22 - NOITES DE SILÊNCIOS ELOQUENTES NA PRAIA

 

Almir aproveita algumas folgas acumuladas, tira e, sem contar a ninguém, vai para um pequeno apartamento que José Renato tem no Guarujá e ele toma conta. Ali sozinho, têm momentos de choro. Olhando o mar da janela da sacada, revive seus Vazios Existenciais que estão afetando a muitos nesta modernidade com grande capacidade de esvaziar as pessoas de suas possibilidades de ser! 

Um sentimento que surge todas as vezes que uma pessoa descobre, ou passa acreditar erroneamente, que muita coisa no que ela vivia era pura ilusão, então fica um buraco. É a assimilação que temos que nunca vivemos o que realmente desejamos. Um dos primeiros e mais fortes sintomas do vazio existencial é a solidão. 

  Ao anoitecer, Almir deixa seus vazios existenciais derrubarem sua autoestima, passando a alimentar pensamentos negativos sobre si mesmo. Perdemos a autoestima quando se passa por muitas decepções, frustrações, em situações de perda, ou quando não se é reconhecido por nada que se faz. O que nos abala na realidade não é a falta de reconhecimento por parte de alguém, mas principalmente a falta de reconhecimento por si próprio. Muitas vezes quando estamos com baixa autoestima, tendemos criar nossos próprios fantasmas e alimentá-los fortemente. Ou seja, “fazemos de uma formiguinha um elefante!”

Muitas pessoas que tendem manter as emoções ocultas internamente gera a diminuição da autoestima! Mas mesmo que alguém tenha a vida toda tentado guardar seus sentimentos, esta pessoa não está destinada a sofrer seus efeitos negativos para o resto de sua vida. A menos que ela faça esta escolha. O que por muitos anos foi a opção de Almir!

Para quem queira parar de sofrer, chega a hora de começar a mudar. Nos últimos tempos, ele descobriu que nunca é tarde para isso! Começou a construir o seu amor-próprio, buscando o autoconhecimento. Manteve-se em forma física nas longas caminhadas nos passeios prazerosos com Adriana. Aprendeu a gostar da imagem refletida no espelho. A identificar suas qualidades e não só seus defeitos. Aprendeu a ressignificar suas experiências passadas, tratando-se com amor e carinho. Passou a ouvir suas intuições, o que aumentou-lhe a autoconfiança. Adriana lhe fez acreditar que ele merece ser amado e é especial. Ter vontade de fazer todo dia algo que o deixe feliz, coisas simples como dançar, ler, descansar, ouvir música, caminhar.

Almir sabe de tudo isto. Só que naquele momento, no escuro do apartamento solitário, revive seus vazios existenciais que têm suas raízes em fatos e frustrações passadas. E ele têm duas opções sobre o que fazer de seus vazios existenciais. Acreditar que a vida realmente seja um fato consumado e continuar a ser cadáver de si mesmo. Ou acreditar em sua capacidade de reações e, colocando o passado no seu devido lugar, ir em busca de novas possibilidades, inclusive a de ser novamente feliz e realizado!

Já é madrugada. Almir está ali, jogado no sofá com a luz apagada. Lembra-se de todas as conversas que teve com Cátia. O rádio está ligado. Uma música de Tim Maia, seu cantor preferido começa a tocar um verso que lhe desperta a atenção: “Eu vou à luta porque a vida é curta, não vale à pena sofrer em vão!“.   

* * *

Sexta-feira, 15 horas. Adriana caminha pelo corredor de sua antiga empresa, rumo à sala de reunião onde os diretores a aguardam. De repente, Almir aparece em sua frente. Olham-se por alguns instantes. Ele quebra o silêncio:

- Eu nem sei se tenho o direito de lhe pedir isto? Fica comigo, Adriana. Você mudou minha vida. Não sei mais viver sem sua personalidade divertida. Sem essa pessoa alegre, luminosa em seu caráter e original em seu tratamento com todos que mostra sempre um notável brilho intelectual que tanto me inspira. Minha vida precisa muito da sua energia, do seu modo de convívio social. Você meu amor é autêntica em tudo o que faz, fala e sente. Não tem vergonha de ser espontânea, habilidosa em aproveitar o aqui e o agora de forma descontraída com sua estabilidade emocional em lidar muito bem com tudo e com todos. Você me ensina a ser mente aberta, gostar de aprender coisas novas, a me conectar com diferentes pontos de vista. Como vou viver sem essa mulher disciplinada correta e muito educada que anda de mãos dadas com o bem-estar, a ordem e equilíbrio?

Sem nada a dizer, ela continua a caminhar passando por ele, entrando à sala. Almir fica olhando-a pela parede de vidro. Adriana aproxima-se da mesa de reuniões, tira o contrato do envelope, declarando:

- Senhores, fiquei profundamente honrada pelo convite para voltar à esta multinacional. Só que nos últimos tempos, minha vida avançou muito. – Ela rasga os papéis, colocando-os em cima da mesa: – E eu não posso dar passos para trás...

Adriana sai da sala, olha no rosto de Almir, dizendo-lhe sorrindo:

- Vamos logo, hoje temos o lançamento de um livro para organizar.

* * *

O Bar 50! está cheio em uma noite diferente. O lançamento do primeiro romance escrito por José Renato. Muita animação, amigos de São Paulo e muitos vindo de sua cidade. É uma noite para ser marcante!

Almir aproxima-se da mesa onde estão os exemplares, pegando um e lendo o título:

- “Os Amores Que Não Vivi”, gostei do nome.

- É a história de um menino que vai à uma cartomante e ela lhe diz que ele receberá uma carta de amor. Perto de completar cinquenta anos e com medo de envelhecer sozinho, um homem solitário e melancólico, relembrando algumas paixões não vividas do passado, resolve procurá-las para saber se ainda tem alguma chance com alguma delas.

- Qualquer identificação com a realidade é mera coincidência – diz Almir dando gargalhada: - No final, ele fica com a mocinha?

- Você terá que ler para saber. Pois é meu amigo, tantos anos já se passaram e ainda estamos aqui juntos. Almir, fazemos parte dos novos 50 anos. Deixamos os antigos empregos em busca de outras oportunidades. Praticamos exercícios físicos, pedalamos quilômetros de bicicleta com um grupo de amigos. Viajamos sem compromisso pelo mundo. E tantas outras histórias de vitalidade, coragem e recomeços protagonizadas por pessoas no auge dos seus 50 anos, assim como nós. Somos os cinquentões protagonistas com mais saúde e energia de uma das maiores mudanças de comportamento do nosso tempo, em uma revolução em relação ao envelhecimento como nunca se viu antes. 

- Verdade, José Renato. Os padrões de comportamento sofreram alterações, por isso é mais comum pensar em novas carreiras, novos casamentos, prática de esportes audaciosos e formas de se vestir diferentes daquilo que se imaginava até então para nossos 50 anos.

Os amigos de uma vida toda abraçam-se forte. 

A noite festiva continua. Em um certo momento, Adriana e Almir se abraçam em um canto do salão, ela lhe diz olhando dentro de seus olhos:

- Sobre o que aconteceu hoje à tarde lá no corredor da empresa, é minha vez de lhe dizer. Obrigada por você lutar e não desistir de mim.

- Jamais, meu amor...!

E encostam suas cabeças em um profundo afeto.

FIM


Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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