4 - UMA NOITE PERDIDOS NA RUA AUGUSTA

Passados alguns dias, Almir recebe um convite por telefone para ir à sede da empresa onde Adriana trabalha. A executiva o recebe em sua ampla sala. E com o catálogo em mãos lhe diz:

- Seu Almir, olhei os móveis planejados de sua empresa. Fiquei bastante interessada. São bonitos, bem-acabados.

- Agradeço dona Adriana. Se a senhora quiser, pode escolher alguns sem compromisso inicial. O nosso arquiteto vai ao apartamento, tira as medidas, faz um projeto em 3D para a senhora ver, ter uma visão ampla de como ficará.

- Quero sim. Também reparei que a sede da empresa fica em uma cidade paranaense.

- Isto. A senhora a conhece?

Nesse momento, eles são interrompidos com a entrada da secretária que chama Adriana para uma reunião de última hora entre os diretores.

* * *

Naquela manhã de sábado, Adriana vai com seus filhos ao clube, lugar fino, frequentado por vários membros da diretoria de sua empresa. Os filhos encontram-se com seus amigos. Ela fica ali na mesa em conversas de sempre, muitas vezes assunto de trabalho, como se aquele ambiente fosse uma extensão da sala de intermináveis reuniões.

Às vezes, a executiva sente-se viver em uma conformidade, uma supressão do eu verdadeiro, sem ter plena consciência de seus talentos, sonhos e desejos ou ainda conhecê-los, escondidos pelas limitações emocionais e físicas. 

* * *

À noite, Almir está novamente solitário no Bar 50!. Cátia entra em passos largos, indo até ele, intimando-o:

- Eu vim lhe buscar para sair.

- Aonde nós vamos?

- Você verá. Vem comigo...

Logo eles estão caminhando pela Rua Augusta. Muitos carros na noite paulistana. Calçadas lotadas de pessoas. A democrática rua é famosa por receber todo tipo de público, é realmente possível encontrar de tudo por lá! De dia, a rua oferece boas oportunidades de compras, enquanto à noite o foco é mesmo a balada. Há o Calçadão Urbanoide um boulevard lotado de food trucks e pintado com os mais bonitos grafites. É o lugar ideal para achar restaurantes baratos para comer na Rua Augusta e experimentar pratos do Brasil e do mundo em um ambiente descontraído.

Enquanto comem lanches, conversam descontraidamente. Até que Cátia lança uma pergunta íntima:

- Almir, você nesses anos não teve algum relacionamento sério, uma companheira?

- Eu não tenho sorte no amor, Cátia?

- Talvez você seja alguém que vive repetindo que não tem sorte no amor ou que não merece ser feliz na vida sentimental. Essas crenças negativas, que prejudicam o sucesso dos relacionamentos, aumentam ainda mais em tempos de individualismo. Muitas vezes o problema para se encontrar um amor somos nós mesmos. 

- Você sempre é assim, analítica em tudo?

- Sim, esse é o meu papel – responde ela sorrindo: - Talvez a raiz desse pessimismo de quem diz não ter sorte no amor seja suas experiências passadas. Para muitos de nós, ao término de um relacionamento, pode ser comum sentimentos negativos surgirem. O tempo cura algumas feridas, mas outras permanecem abertas, impedindo que novas experiências amorosas aconteçam. Preguiça de recomeçar, o que pode estar ligada ao conforto, ao medo de se expor para não ter que lidar com pessoas e situações indesejáveis, bloqueando o movimento, o novo. E tendo medo do novo, criamos uma autoprisão. Principalmente as pessoas que foram muito magoadas ou traídas. 

- A traição pode se dar de várias maneiras – pensa alto ele, mordendo o lanche.

- Sabe Almir, em uma livre citação, há um pensamento que gosto muito, mas nunca descobri quem é o autor: “Ter decepção amorosa é inevitável; mas cultivar o sofrimento é opcional!” Muitas vezes, até mesmo em um comportamento de fuga por vários motivos, preferimos dizer antecipadamente que não dará certo e desistir, lamentando-se, achando que a felicidade é para poucos. A linguagem negativa irá atrair fatos negativos. Autoderrotamos diariamente com perguntas como, será que vai dar certo? Será que ela é a parceira ideal? Será que a família ou os amigos vai aprovar esse meu relacionamento?

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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