6 - OS REJEITADOS DO COLEGIAL

No final de tarde, Almir, ao sair do prédio onde fica o escritório da filial da fábrica de seu amigo José Renato, Cátia o espera na calçada, surpreendendo-lhe:

- Vim lhe buscar para ver uma peça de teatro.

- Cátia, eu não estou com cabeça para isto. Minha mãe está muito doente.

- Mais um motivo para você se distrair. Vem comigo... 

Ela o puxa pelo braço, não dando chance dele rebater.

Uma hora mais tarde, estão de pé no saguão do teatro. Uma mulher com corpo esbelto, vestida com roupas justas, botas, bem penteada e maquiada, aproxima-se deles, cumprimentando-os:

- Boa noite, turma.

- Boa noite – responde Cátia sorrindo: - Almir, essa é a Morielle da nossa turma no colegial. Lembra-se dela?

Ele passa um tempo puxando pela memória. Até que se surpreende pelas lembranças.

Durante a peça, Almir senta-se entre as duas. De um lado, Cátia, quem está lhe dando atenção nos últimos tempos, mexendo com sentimentos a muito adormecidos. Talvez uma esperança. Do outro está Morielle, uma mulher madura de sua idade, atraente, alguém que ele já havia esquecido de sua existência.

Ao término da peça, Cátia pede para que eles aguardem um tempinho no saguão. Minutos depois, uma das atrizes do espetáculo se aproxima deles.

- Você estava maravilhosa, meu amor! – Exclama Cátia, dando-lhe um beijo à boca, apresentando-lhes com alegria: - Pessoal, esta é minha esposa.

Morielle lhe abraça com simpatia. Almir também, mas um pouco surpreso, principalmente por descobrir que Cátia já é comprometida.

* * *

Os quatros vão jantar em uma cantina ali perto. Um papo descontraído, muitas risadas. Algumas lembranças da época de escola. Até que Cátia e sua companheira precisam ir embora, sugerindo que os dois continuem ali papeando.

- Quem diria que algumas décadas depois nos encontraríamos novamente, Morielle?

- Pois é, Almir. Na escola você era o rapaz muito tímido, vindo do interior, quase não falava com ninguém. Eu era a menina gorda, zuada por todos.

-  Você era o patinho feio que hoje se tornou uma linda cisne!

Dão muitas risadas. Ela recorda-se:

- Por esse motivo éramos tão próximos. Lembro-me que até tentei namorá-lo, mas você não quis...

- Tinha meus motivos – diz Almir sem graça.

Morielle pega sua mão, dizendo com delicadeza:

- Só que agora estamos nós dois aqui novamente.

Ele apenas dá um sorriso, sem saber o que dizer.

- Bem, já é tarde, preciso voltar pra casa – ela olha o relógio, soltando de sua mão.

- Posso acompanhá-la?

- Agradeço, Almir. Eu chamo um carro de aplicativo.

* * *

Já há alguns dias, dona Ione, hospitalizada, está em coma. Em um momento de lucidez terminal - retorno inesperado da clareza mental e da memória, ou consciência recuperada repentinamente que ocorre pouco antes da morte de uma pessoa -, ela chama Almir para perto de seu leito, pedindo-lhe:

- Filho, independente do que aconteça comigo, não fique sozinho. Encontre uma companheira e reconstrua sua vida!

* * *

O que temiam, acontece. A mãe de Almir e Eliane falece. José Renato e sua esposa vem para o velório e enterro. Uma triste despedida.

No dia seguinte, ele está sentado no sofá da sala, quando sua irmã vem ter uma conversa:

-  Almir, tenho algo a lhe falar. Você sabe que as coisas aqui estão difíceis para eu e meu marido. Ontem o José Renato ofereceu colocações para nós lá na fábrica e até uma casa para a gente morar. Resolvemos ir embora, recomeçar a vida em nossa antiga cidade.

- E quando vocês vão?

- Semana que vem. Se você quiser, pode vir conosco. O José Renato coloca outra pessoa para chefiar o escritório aqui.

- Não, eu não posso voltar pra lá...

* * *

Passam-se os dias. À noite, Almir chega em seu apartamento. Vê tudo em silêncio. Sua mãe, irmã, sobrinhos e cunhado não estão mais lá. Bate um enorme vazio. Cai chorando sentado no sofá, invadido pela solidão...

Almir naquele momento vive a “solidão situacional”, que ocorre após um acontecimento que implica na perda de pessoas importantes, tais como o fim de um relacionamento, o divórcio, mudança de cidade, morte na família, como Almir está vivendo no momento. Para muitas pessoas, a solidão manifesta-se subjetivamente e com diversos sintomas psicossomáticos como ansiedade e depressão. De período variável, com duração em torno de um ano, seus efeitos tendem a diminuir; a dor maior passa e a pessoa organiza sua vida de outra forma.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem