EM BUSCA DO MELHOR CONTRASTE

DESENHO GRÁFICO SEM TÍTULO – Emílio Figueira / 1999

A circulação daquele jornal aumentava a cada dia, justamente devido ao serviço da redação e, por isso, era preciso contratar novos funcionários. Como regra do jornal, novos repórteres deveriam ser recém-formados com a mínima noção profissional para ser treinados da maneira que os editores achassem melhor. Isso porque se os repórteres fossem veteranos, certamente discutiriam as ordens e opiniões dos superiores. E assim foi...

Passaram a incorporar aquela redação dois jovens com espírito aventureiro: Carlos, o repórter, e Celso, o fotógrafo, os quais se tornaram parceiros de reportagem.

– Aqui, ninguém é melhor do que ninguém, não irei permitir brincadeiras de mau gosto e nem que vocês opinem em seus textos ou fotos. Nosso dever é informar e não influenciar a cabeça dos leitores. Fui bem claro? – advertiu o redator-chefe.

– Sim, senhor – responderam num só coro.

– Bem, agora vamos ao trabalho. Vocês irão fazer uma matéria sobre a restauração da avenida central. Aproveitem e passem pela construção de algum novo prédio e arrumem alguma matéria sobre a atual construção civil. Você, Celso, lembre-se de que está usando filme preto e branco e, por isto, procure os melhores contrastes para as fotos.

Saíram do jornal, Carlos com o seu bloco de papel e caneta e Celso com uma máquina fotográfica profissional.

– Podemos ir com minha moto.

– Boa ideia, Celso.

Correu tudo praticamente bem na avenida, entrevistaram e fotografaram engenheiros e funcionários da obra. Já tinham material suficiente para mostrar aos leitores sobre o que era aquela obra e seu significado.

– Agora, Celso, vamos partir para nossa segunda missão. Não muito longe daqui, há um prédio em construção, vamos conferir?

– Vamos lá...

O edifício já estava em fase de acabamento. Era todo cercado, sendo que no portão estava escrito: “Não Entre”. Havia uma campainha que tocaram, mas ninguém surgiu.  

– Vamos entrar – sugeriu Celso já abrindo o portão. 

Invadiram, pois não havia nenhum funcionário por lá. “Vou tirar uma foto desse ângulo” – disse Celso, mas a máquina travou, não querendo funcionar.

– Será que devemos voltar para o jornal e buscar outra?

Tentou e nada. Já iam saindo quando Celso notou algo na máquina.

– Já sei o que houve, esqueci de retirar a tampa da lente e por isto ela travou.

O repórter deu apenas uma risadinha do descuido do colega e disse:

– Vamos voltar lá pra dentro, vai...

Começaram a caminhar em torno do prédio até que Celso decidiu:

– Vou tirar uma foto lá embaixo na garagem, pois é escura e dará um bom contraste.

– Tudo bem, ficarei aqui fazendo algumas anotações enquanto isso.

Estavam distraídos quando foram surpreendidos por um forte som, que nada mais era do que um latido de um dobermann. Uma grande surpresa. Porém, o choque mesmo foi quando viram o tamanho do animal.  O susto foi tão grande que saíram aos carreirões, ganhando a rua e nem sequer notaram que o cão estava amarrado.

Já de volta ao jornal, relataram a experiência para o redator-chefe. Este, num sorriso irônico, disse:

– Vejam a coisa pelo lado bom, qualquer dos dois que sobrevivesse ao atentado do cão poderia escrever a matéria!

Além do susto, ainda tiveram que aguentar a piada justamente do chefe que não gostava de piada.

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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