Capítulo 12 - TEMPOS DE JUSTIÇA

Em uma manhã ensolarada, Rubens estava sentado em seu banco de sempre conversando com o seu advogado.

- Rubens, pensa bem. São duas boas apresentações. O pessoal está redescobrindo o seu talento. Você não pode perder essa nova chance que a vida está lhe dando.

- Não, doutor Luiz. Eu não estou preparado para voltar aos palcos. Eu não irei me apresentar.

- Ele vai sim, o senhor pode confirmar as apresentações – disse Yara se aproximando por trás, passeando com um cachorro.

- Yara, você não pode decidir isso por mim...

- Posso sim porque sou sua amiga. E se você não estiver preparado, eu lhe ajudo a se preparar, embora eu não entenda nada de música – e lhe deu um sorriso.


Naquele mesmo dia, no final de tarde, Yara chegou em casa, tendo uma desagradável surpresa. Havia uma intimação policial para ela comparecer a um depoimento no dia seguinte.

Por não dever nada e ter a consciência limpa, foi só acompanhada de seu pai. Após duas horas, em frente ao delegado, saindo pela porta da frente visivelmente abatida, foi surpreendida por vários repórteres de televisão tentando entrevistá-la, fazendo muitas perguntas ao mesmo tempo. Seu pai a protegeu, levando-a para o carro.


 À noite, Rubens estava deitado em sua cama no quarto da pensão, assistindo ao noticiário, quando uma repórter narrou: “Hoje a idealizadora do movimento Cristãos Sem Bandeiras compareceu à delegacia para um depoimento. Yara está sendo acusada de desvio de dinheiro quando era membro da tesouraria de sua antiga igreja”.

Rubens rapidamente desligou a televisão, correndo para a casa de sua amiga. Lá foi recebido por ela na sala com o rosto de quem chorara muito.

- Viu meu amigo, a calúnia que inventaram de mim? Eu que nem salário fixo tenho, ganho por trabalho. E nem posso cursar uma faculdade de veterinária, o meu grande sonho.

- Fique calma, Yara, nós vamos provar sua inocência. O doutor Luiz vai nos ajudar.

- Eu não tenho como pagar um advogado.

- Isso você deixa por minha conta. O importante agora é a verdade e a sua paz.

Yara abraçou fortemente Rubens por alguns instantes. Depois segurou em suas mãos com firmeza, pedindo-lhe:

- Você me promete uma coisa? Independente do que acontecer comigo, você não vai desistir de voltar a tocar?

- Vamos prometer um para o outro. Nós nunca vamos desistir dos nossos sonhos e objetivos!!!


Os dias foram passando. Yara achou melhor se afastar do movimento para não prejudicá-lo, mesmo sabendo que era inocente. Sua vida passou a ser apenas trabalhar com os seus cachorros, embora perdera alguns clientes após a denúncia. Além de ter recebido várias críticas e ataques de estranhos em suas redes sociais, as quais ela preferiu desativar.

Rubens aceitou fazer algumas apresentações ao piano. Sua amiga o acompanhava. Nessas ocasiões, Yara sentava-se bem nos cantos das plateias, mas percebia que algumas pessoas as olhavam, apontavam e cochichavam disfarçadamente. Ela não ligava, pois sabia que sua presença era fundamental para fortalecer a autoestima do amigo Rubens. Além de se lembrar de Romanos 8, versículo 31: “Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?”.


Ao longo dos próximos dois meses, Yara deu mais dois depoimentos mantidos sob sigilos a promotores da Justiça Federal que entraram no caso. Sempre acompanhada pelo doutor Luiz e de Rubens, o amigo que ficava sentado nas salas de espera. 


Certo dia, Yara estava passeando com alguns cachorros na praça, quando uma mulher se aproximou, perguntando-lhe:

- Você é aquela moça do movimento “Cristãos Sem Bandeiras”, né?

Ela respondeu que sim, temendo ser repreendida pelas denúncias da igreja. Só que a mulher queria lhe falar outro assunto:

  - Eu quero saber como posso ser uma voluntária? Sabe, já cometi muitos erros na vida. Então quero saldar essas dívidas para ficar em paz.

Essa é uma mentalidade muito comum nos dias atuais: “Quando acabar de pagar essa minha dívida, acabou o meu voluntariado. Não um interesse legítimo pelo outro, mas sim um grande sentimento de culpa, um certo medo das consequências dos erros que cometi no passado. Vai que realmente há uma punição pós-vida, então deixa eu chegar lá com minha dívida paga”.

Yara educadamente lhe explicou:

- Minha senhora, as Boas Obras não podem estar condicionadas por medo e desejo, dor e prazer, isso não é consciência humana, isso é adestramento animal, como aquela coisa mórbida de circo onde animais ganhavam ou uma recompensa ou uma chicotada. Nós precisamos agir pelo um ato de consciência do que podemos realizar em termos de solidariedade e não o que vamos ganhar ou perder. É o mesmo do que um voluntário dizer, “sacrifiquei tanta coisa por isso...” Se ele está lamentando as coisas que deixou de fazer para se voluntariar, ele não estará praticando o ato de coração e sinceridade. Ainda bem que Jesus Cristo não disse isso para salvar a humanidade.

A mulher continuou ouvindo calada:

- Não pode haver voluntariado com prazos e interesses por trás. Se praticado com sinceridade, é como dar ao mundo o que eu tenho de melhor. Quando dou o meu recado ao mundo, é a melhor remuneração que existe. Algo dentro do meu eu que dá realização, que dá fraternidade, sentido de pertencimento ao mundo, harmonia, é a verdadeira remuneração. Quem realmente conhece a Deus, tem Sua paz e confiança no coração, sem dar margem aos medos e inseguranças contemporâneos e do que virá após a morte. Quem realmente conhece a Deus mesmo, está pregando o amor, sendo paciente e acolhedor ao diferente, está praticando a caridade e falando das boas coisas lá dos céus, conforme nos pediu Jesus Cristo!

A mulher virou-se e foi embora sem nada dizer...


Mais alguns meses passaram. O movimento “Cristão Sem Bandeiras” crescia cada dia mais no país e exterior, caminhando por si mesmo, sendo propagado pelas redes sociais. Enquanto Yara, sua idealizadora, foi na contramão, passando cada vez mais despercebida na multidão, na rotineira vida de passear com cachorros. Às vezes, era apontada na rua como a moça que roubara a igreja. Só que ela tinha a cabeça em paz com relação a isso.

Rubens certo dia chegou com uma novidade:

- Yara, este fim de semana vou tocar em Ouro Preto, Minas Gerais. 

- Que tudo, meu amigo. Mas desta vez, eu não poderei ir com você. A justiça não me permite sair da cidade por conta das investigações.

- Logo tudo isso acabará e a verdade aparecerá...

- Não sei, Rubens, quase um ano se passou, tudo corre em segredo de justiça. Parece que isso não acabará nunca. E se eu for acusada como um “bode expiatório”?

- Quando chegamos ao limite, minha querida amiga, Deus chega com providência. O limite de Moisés era o mar, Deus abriu. O limite de Abraão era a morte de Isac, Deus proveu o cordeiro. O limite de Ana era a esterilidade, Deus lhe deu um filho. O limite de Cristo era a morte, Deus o ressuscitou. Seu problema não é o fim de tudo. Mas será uma nova oportunidade para vermos a manifestação da Glória de Deus...!

Suas lágrimas rolaram, abraçando fortemente o amigo pianista.


Um mês depois em uma manhã de sexta-feira, Yara acordou sem forças para levantar-se. Não havendo nenhum cachorro agendado para passear no primeiro período, resolveu ficar mais um pouco deitada. Lembrou-se de Filipenses, 4, versículo 13, “tudo posso naquele que me fortalece”. 

Pegou o controle remoto, ligando a televisão para ver o noticiário, sendo surpreendida com as palavras do apresentador: 

- Voltamos a falar da prisão preventiva do deputado federal pastor Hilário ocorrida nesta manhã. Está confirmada a entrevista coletiva para às 10 horas, onde procuradores da Justiça Federal detalharão toda a operação.

Rubens foi à casa da amiga e juntos assistiram a coletiva ao vivo, quando o promotor do caso explicou:

- Essa operação começou a um ano quando a senhora Yara foi acusada de desviar dinheiro de coletas em sua igreja. Em depoimento, ela relatou que sempre era a última a sair da sala, porque tinha como hábito xerocar as páginas dos livros de registros e dos depósitos bancários, guardando essas fotocópias em sua residência, as quais entregou à Polícia. Após análises da documentação, conseguimos um mandato de busca e apreensão, recolhendo tais livros no escritório da referida igreja. Nossos peritos cruzando os dados, descobriram alterações amadoras nesses livros e muitas quantias substanciais nas contas bancárias do pastor Hilário. Comprovado esses desvios, dona Yara passou da condição de investigada à colaboradora nossa, o que precisava ficar em sigilo. Por se tratar agora de um deputado federal, o caso passou para a esfera Federal, onde conseguimos a quebra de seus sigilos bancários e telefônicos. Ficou comprovado que os desvios da igreja foi só o início de sua ficha criminal. O pastor Hilário está envolvido com lavagem de dinheiro do crime organizado por meio de sua igreja, vendas de emendas parlamentares às empreiteiras, tráficos de influência em sua bancada, além de outros atos que ainda estão sob sigilo de investigação. Sua prisão nesta manhã se deu necessária para impedir destruição de provas e coesão de testemunhas.

Yara chorava fortemente de alívio. Foi abraçada ao mesmo tempo pelo amigo e seus pais. Muitos de seus amigos começaram a chegar em sua casa. Tudo se tornou uma grande festa!

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Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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